Conheça a íntegra da denúncia-crime feita em 1988 pelo então
procurador-geral de Justiça Telga Araújo que, com muita coragem, detalha
o bárbaro assassinato do padre Antonio Henrique Pereira Neto, em 1969, e
aponta os mandantes do crime, seus executores e a maneira como o brutal
crime foi praticado. O sacerdote trabalhava diretamente com o então
arcebispo de Olinda e Recife, dom Helder Camara, criticado e perseguido
pela ditadura militar que o chamava de “o bispo vermelho” e que chegou a
proibir os jornais de publicar o nome do arcebispo.
O texto é forte porque se baseia nos laudos da perícia técnica feita
no cadáver do sacerdote, mas revela, em detalhes, como eram praticadas
as violências, as torturas e as mortes de militantes, políticos ou quem
pudesse representar um perigo ou ameaça à ditadura militar.
“Não há dúvida de que a motivação política se fez presente a
impulsionar a mão criminosa dos autores do homicídio do padre Henrique,
embora não fosse este militante político, apesar do conteúdo político de
sua motivação, falta a sua conformidade com a tipificação estabelecida
nas leis penais do País”, afirma trecho da denúncia-crime de Telga
Araújo.
A denúncia e a cota foram transcritas da Ata da Nonagésima Quarta
Reunião Ordinária da Segunda Sessão Legislativa da Décima Primeira
Legislatura, da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) por
solicitação do então deputado Roldão Joaquim, a partir de reportagens do
Jornal do Commercio, Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco, e
encontram-se às páginas 310-317 daquele documento da Alepe, no site
http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/anais/pdf/016_11-1-002-1-094.pdf
DENÚNCIA
O Procurador-Geral da Justiça, no uso das atribuições que lhe são
conferidas pelo Art. 46, I, do Decreto-Lei nº 83, de 11 de setembro de
1969 em virtude de não haver o Promotor de Justiça designado exercido o
seu dever funcional consubstanciado nas normas do Art. 74, I do referido
diploma legal, do Art. 3º, I, da Lei Complementar nº 40, de 14 de
dezembro de 1981 e Art. 4º, I, da Lei Estadual nº 9.040, de 27 de julho
de 1982, vem, perante Vossa Excelência, com base nas inclusas
diligências policiais e no
inquérito procedido pela Comissão Judiciária de Inquérito,
constituída pelos atos nºs 1.737, 1.738 e 1.739, de 04 de maio de 1969,
oferecer a presente Denúncia contra os indiciados adiante nominados e
qualificados: 1) Rível Gomes da Rocha, brasileiro pernambucano, com
47 anos de idade, funcionário público, filho de Luís Gomes da Rocha e
de Josefa Sales Rocha, portador da Cédula de Identidade nº 456.056 –
SSP/ PE; 2) Henrique Pereira da Silva Filho, brasileiro, natural deste
Estado, casado, com 61 anos de idade, funcionário público estadual,
filho de Henrique Pereira da Silva e Corina Pereira da Silva; e 3) José
Bartolomeu Lemos Gibson, brasileiro, natural deste Estado, casado, com
65 anos de idade, Procurador de Justiça, filho de Arnaldo Gibson e Aline
Lemos Gibson, todos pela prática do fato delituoso adiante narrado.
Na madrugada do dia 27 de maio de 1969, à margem da avenida Professor
Luiz Freire, na Cidade Universitária, nesta cidade do Recife, na faixa
de terreno compreendida entre a avenida Perimetral e uma cerca de arame
que demarcava um canavial, à época ali existente, após submetido a
tortura, foi morto a tiros de revólver o sacerdote Antônio Henrique
Pereira da Silva Neto.
A morte da vítima teve lugar entre 1 (uma) e 4 (quatro) horas da
madrugada do dia 27 de maio já referido (Exame de Local de Homicídio
fls. 64 e 65 dos autos), ocasionada por “hemorragia cerebral, decorrente
de ferimentos penetrantes e transfixantes do crânio, por instrumento
pérfuro-contundente (projéteis de arma de fogo)” (Inspeção Médico-legal
de Corpo. fls. 195).
O crime foi praticado por diversos agentes, consumado de forma
violenta, após ter sido a vítima submetida a tortura. Assim concluíram
os peritos na Perícia Tanatoscópica de fls. 197 e 198, ítem 11º da
Discussão e Conclusões:
“11º – As sedes das lesões, as suas características a multiplicidade e
diversidade de instrumentos numa vítima jovem, válida, sugere que o
crime foi praticado por mais de um indivíduo;
12º – As sedes das lesões, concentradas somente no segmento cefálico,
a multiplicidade e diversificação de instrumentos, a distância dos
tiros etc., demonstram a alta periculosidade e perversidade dos
agressores;
13º – É impressionante e estranho que a vítima não apresente nenhuma lesão de defesa, nem qualquer outra lesão no resto
do corpo, tento-se deixado imolar, sem luta e nem sequer as reações próprias do instinto de conservação, que são voluntárias”.
É que o inditoso sacerdote foi antes submetido a constrição pelo laço
da corda que lhe envolvia o pescoço, e foi encontrada sob o seu corpo,
(fotos nºs 4, 5 e 7 da Ilustração fotográfica constante do Laudo de
exame de local de homicídio, a fs. 76 78 e 81 dos autos), o que produziu
“inconsciência, por inibição reflexa (compressão da laringe e nervos de
Hering), ou pela anorexia cerebral devido à constrição das carótidas e
jugulares”, segundo admitido na Perícia Tanatoscópica de fs. 178.
Dessa forma maltratado por seus algozes, o Padre Henrique não pôde
sequer defender-se dos violentos ataques à sua pessoa. O único gesto de
defesa que pôde esboçar foi aquele de segurar a vegetação (fotografia nº
6, da Ilustração fotográfica que acompanha o Laudo de exame de local de
homicídio) o que demonstra ter sido arrastado, posto de joelhos, no
local onde foi morto e encontrado, tanto que “na face anterior de cada
uma das pernas da calça, no terço médio na altura dos joelhos, há
manchas de barro” (foto nº 19, às fls. 105), e, “na parte posterior da
calça, em zona correspondente mais ou menos à região sacral da vítima,
estando a mesma vestida há manchas de barro, que se estendem um pouco
mais pura a esquerda e chegam até a atingir duas arreatas, no cós”
(Laudo de exame de local de homicídio fls 57).
Ainda, a corroborar a conclusão de ter sido arrastado por seus
assassinos, que utilizaram a corta enlaçada ao seu pescoço, o que
provocou “a disjunção da articulação da terceira vértebra cervical com a
quarta vértebra cervical que deve ser atribuída à tração do pescoço
pelo laço” (Perícia Tanatoscópica. Conclusões, a fls. 197 verso), e, a
considerar, também, a lesão da parte posterior do antebraço direito, ao
centro, que “apresenta uma pequena área onde houve reação vital”, ou
seja, “escoriação”. (Perícia Tanatoscópica, conclusões, a fls. 197
verso).
Por outro lado, recebeu a vítima duros golpes desferidos por seus
matadores, talvez socos e pontapés. (ver foto nº VII), produzindo
hematomas “no segmento cefálico, onde se destaca o hematoma no olho
direito”.
A violência contra a indefesa vítima mais se caracteriza ante o exame
das lesões encontradas nas regiões paratideonasseterina e retro
mandibular esquerda, produzidas, em vida, por instrumento
pérfuro-cortante, (fotos nºs XII e XIII), o que demonstra que os
criminosos desceram a todos os requintes de perversidade na tortura a
que submeteram o padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto, antes de
sua morte.
Após, os trucidadores do inditoso padre, consumaram o crime
abatendo-o a tiros de revólver, calibre 38, utilizando cartuchos de
carga dupla, um dos quais deflagrado a curta distância, praticamente a
queima roupa (Laudo de exame de local de homicídio, as fls. 61,
considerações gerais e conclusões), e os demais disparos desferidos
próximo a vítima.
O modo de execução do bárbaro crime, – registrado pelos peritos do
Instituto de Medicina Legal do Estado, demonstra o alto grau de
periculosidade e a algidez do comportamento dos autores do homicídio que
ceifou a vida do padre Henrique, como era conhecido nos meios
estudantis e religiosos da nossa sociedade.
Na noite do dia que antecedeu ao trágico acontecimento, dia 26 de
maio de 1969, o padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto estivera na
Casa do Estudante Diomedes Pontes Valois, à rua do Benfica, no bairro
da Madalena onde participou de uma reunião com diversos estudantes,
dirigindo-se, após à residência do Dr. Mário Cabral Bittencourt, a rua
Dr. José de Góes, no Parnamirim, quando, aproximadamente às 20.30 horas,
iniciou nova reunião com a presença de várias famílias.
Antes, a vítima passara pela Praça da Jaqueira, onde segundo ele
próprio afirmara a duas testemunhas, iria encontrar-se com um grupo de
“maconheiros”, não chegando, porém, a fazê-lo pois naquele local não se
encontrava ninguém.
Encerrada a segunda reunião, por volta das 22.45 horas, o Padre
Henrique, após recusar o convite da Sra. Lúcia Gomes Lins, esposa do Dr.
Salustiano Gomes Lins, para utilizar o seu carro, saiu a pé a fim de
apanhar um ônibus.
Logo após, seria visto caminhando entre dois homens em direção a uma
Rural verde e branca, estacionada ao lado da calçada do abrigo do
Parnamirim, na contramão, com a frente voltada para a Avenida 17 de
Agosto, no sentido de Dois Irmãos.
Nesse veículo, seria conduzido para a morte que assinalou um dos mais
violentos crimes já praticados na cidade do Recife tendo como vítima um
jovem sacerdote dedicado a orientação e recuperação de jovens
estudantes de diversos colégios.
A participação do padre Henrique nessa cruzada renovadora, em uma
fase de repressão por parte dos agentes do Sistema implantado pelo
regime de 64, e sua aproximação com o arcebispo D. Hélder Câmara,
tornou-o alvo de perseguição dos órgãos de Segurança, a ponto de, por
diversas vezes, receber ameaças anônimas, a anunciarem o seu sacrifício
final.
A exemplo do estudante Cândido Pinto, que restou mutilado após
covarde atentado ainda hoje impune o Padre Antônio Henrique Pereira da
Silva Neto foi vítima da sanha sanguinária da máquina de repressão
montada na década de 60 em todo o País a silenciar vozes democráticas e
progressistas, entre políticos, intelectuais, estudantes e
trabalhadores.
Não há dúvida de que a motivação política se fez presente a
impulsionar a mão criminosa dos autores do homicídio do padre Henrique,
embora não fosse este militante político, apesar do conteúdo político de
sua motivação, falta a sua conformidade com a tipificação estabelecida
nas leis penais do País.
Aos órgãos de repressão interessava sustar a ação daqueles que
esclarecendo os diversos segmentos da sociedade, preparavam esta para a
reconquista do espaço de liberdade e democracia perdidas naquela nefasta
fase do processo histórico brasileiro.
A individualizar os responsáveis pelo hediondo crime, milita uma
cadeia de indícios que constitui o que o clássico processualista João
Monteiro denomina Suspeita Jurídica capaz de legitimar a pronúncia dos
denunciados e, mais ainda, a denúncia dos que forem encontrados em
culpa.
A admissibilidade da denúncia assenta sem dúvida, na existência de
indícios e estes estão presentes no conjunto da prova produzida a
apontar os denunciados como autores da ação delituosa praticada contra a
pessoa do padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto na madrugada
daquele remoto dia do mês de maio de 1969.
Assim o denunciado Rível Gomes da Rocha reconhecido por diversas
testemunhas, como um dos integrantes da Rural verde e branca, na qual
foi o padre Henrique conduzido, estava segundo ele próprio em depoimento
constante dos autos, “operando no setor de combate à subversão” além de
confirmar que “na época do crime do padre estava de cavanhaque que
usava e tirava conforme a natureza do serviço a executar”. Foi este
denunciado, ainda, quem abasteceu a Rural cujos primeiros algarismos da
placa correspondiam aos do carro de igual marca e cores utilizado no
sequestro da vítima, e que se dizendo à serviço da Comissão Judiciária
de Inquérito aconselhou as testemunhas Ives José Siqueira Maia e Luiz
Ferreira do Nascimento, que haviam prestado depoimentos incriminadores
dele próprio e dos demais denunciados.
O segundo denunciado, Henrique Pereira da Silva Filho, o X-9,
integrava o grupo de agentes da confiança do então diretor do
Departamento de Investigações Dr. José Bartolomeu Lemos Gibson, ao lado
de Rível Gomes da Rocha, Benedito Rodrigues, Jardo Rodrigues e outros,
os quais realizavam, sempre em conjunto, os serviços para os quais eram
designados à época da repressão para o que utilizavam, geralmente, a
Rural Verde e Branca, que servia ao diretor do Departamento de
Investigações.
Este denunciado é apontado como um dos implicados no fato delituoso
por uma das testemunhas – Rogério Matos do Nascimento (fls. 251 verso,
dos autos) como também pela testemunha Paulo Barbosa da Silva (fls.
3.211, dos autos), o qual fora autorizado pelo então Delegado de
Homicídios, Dr. Artur Rodrigues de Freitas Júnior a realizar diligências
sobre o assassinato do padre Henrique, e ainda, por Dona Isaíras
Pereira da Silva informante, que tomou conhecimento da participação
deste denunciado no crime, através do depoimento da testemunha
“conhecida por ‘seu’ Coimbra por sinal naquela época garageiro da
Secretaria da Segurança Pública” (fls. 3.238).
A fls. 3.276, e seguintes dos autos a testemunha Rogério Matos do
Nascimento ratifica sua convicção sobre a participação de Henrique
Pereira da Silva Filho, revelando, ainda, que o X-9 “era um desses
policiais que a imprensa acusava por envolvimento em vários crimes”.
O comportamento do denunciado, após a descoberta do crime e no curso
das investigações, corrobora os indícios do seu envolvimento com o
trucidamento da desditosa vítima.
Foi ele quem procurou a testemunha Ives José Siqueira Maia, cinco
vezes, em sua casa, a pretexto de levá-la à Secretaria de Segurança,
para ser ouvida (fls. 2.553), a qual testemunha acabou sofrendo um
atentado, após ter sido advertida em tom de ameaça, pelo agente Rível
Gomes da Rocha. Ainda em relação à testemunha, Luiz Ferreira do
Nascimento, a cujo depoimento assistiu (fls. 2.560) e a quem conduziu
“para ir falar com Dr. Accioly” (fls. 3.004 verso).
Mais ainda: é este denunciado que, em companhia do agente Raimundo
Ferreira da Silva, vai à casa de Rogério Matos do Nascimento para
conduzir este, e sua companheira Bete, à Delegacia de Homicídios (fls.
689 e seguintes), a mando do Dr. José Bartolomeu Lemos Gibson.
É ele, ainda, que, ao lado do primeiro denunciado Rível Gomes da
Rocha, assiste à conversa de Rogério Matos do Nascimento a portas
trancadas, no gabinete do outro denunciado, Dr. José Bartolomeu Lemos
Gibson.
Toda a atuação do denunciado, nesse passo das diligências, é marcada
pela clara intenção de obstacular, senão impedir, a apuração dos fatos, a
encobrir as responsabilidades sua e dos demais implicados.
O terceiro denunciado, Dr. José Bartolomeu Lemos Gibson, ao tempo,
Promotor de Justiça, exercia o cargo de Diretor do Departamento de
Investigações da Secretaria de Segurança Pública, com atuação na área de
crimes comuns e políticos.
Ligado ao seu Gabinete estavam os policiais Rível Gomes da Rocha,
Henrique Pereira da Silva Filho, conhecido por X-9, Benedito Rodrigues
de Moraes ou Benedito Pistoleiro, Jardo Rodrigues Humberto Amaro de
Souza, os quais, sob sua orientação e comando, realizavam investigações
principalmente, na área de repressão político-ideológica.
Tais tarefas eram de ordinário cumpridas pelo grupo que utilizava a
Rural verde e branca, que servia diretamente ao denunciado, na qualidade
de Diretor daquele Departamento de Investigações, com a placa 60345, em
outros momentos com outra “placa fria” comumente dirigida pelos
investigadores Jardo Rodrigues Benedito Rodrigues (Benedito Pistoleiro) e
Rível Rocha elementos de confiança do
Dr. Bartolomeu Gibson (fls. 3.026, dos autos, depoimento de José
Coimbra Araújo, encarregado da garagem e das viaturas da Secretaria da
Segurança Pública).
Este veículo é o mesmo que na noite de 26 de maio de 1969, véspera do
sacrifício do padre Henrique foi abastecido pelo investigador Rível
Gomes da Rocha, também denunciado, (fls. 3 026), e serviu para conduzir o
sacerdote para o local onde foi perpetrado o hediondo crime.
As pessoas a que os indícios apontam como participantes do fato
delituoso, integrantes do grupo de confiança deste denunciado, Dr. José
Bartolomeu Lemos Gibson, agiam sob sou ordens diretas e, de um modo ou
de outro, todas, em suas declarações deixam evidente que na
trágica noite de 26 de maio, tinham sido esfalfadas para uma missão especial.
Assim o próprio Rível Gomes da Rocha declara que, naquela noite,
“estava operando no setor de combate à subversão” (fls. 807) ele que
abasteceu a Rural verde e branca do Departamento de Investigações, e na
qual foi a vítima sequestrada.
Por sua vez, a testemunha Raimundo Ferreira da Silva, agente da
Delegacia de Homicídios às fls. 689 afirma que, ao conduzir Rogério
Matos do Nascimento e sua amante Bete à Delegacia de Homicídios observou
que o referido “Rogério usava um sapato de lona sujo de barro” e
apresentava, em um dos braços, uma lesão que parecia ser produzida por
uma palha – no local onde o padre foi encontrado existe capim elefante”.
Apesar de informado a respeito, o Dr. José Bartolomeu Lemos Gibson, não
“mandou apreender os sapatos para preceder ao exame, tampouco,
providenciou periciar a lesão constatada no braço do então suspeito
Rogério Matos do Nascimento o que constitui inexplicável conduta do
denunciado que, desde os primeiros momentos, após ter sido encontrado o
cadáver do padre, tão interessado se mostrara em desvendar o crime,
embora ainda desconhece a identidade da vítima. Longe de procurar
robustecer a prova o Diretor do Departamento de Investigações liberou o
suspeito, a quem ouvira em seu Gabinete, sigilosamente, por mais de uma
hora, (fls. 689), de terminando ao agente Rível Gomes da Rocha que
conduzisse Roberto, à casa deste, “no jeep da Delegacia com chapa
particular”.
Foi o denunciado, também, quem ouviu, na presença dos seus homens de
confiança, trancado no seu Gabinete, as testemunhas Ives José Siqueira
Maia e Luiz Ferreira do Nascimento, gravando, principalmente, tais
depoimentos. (fls 549, fls. 2.553 e fls. 591 e 2.560 verso,
respectivamente).
Dessa gravação, apenas parte se conhece, tendo ambas as testemunhas
afirmado, ao ouvi-la, que a conversa gravada, não corresponde à que eles
tiveram com o denunciado.
Esteve o denunciado a demonstrar inusitado interesse, na casa da
família do padre Henrique, “a procura de indícios”, em companhia do
outro denunciado, Rível Gomes da Rocha, onde examinou vários papéis da
vítima que se encontravam no quarto desta (fls. 807), o que indica, a
par de outros elementos indiciários uma inequívoca vontade de dirigir as
investigações no sentido de afastar suspeitas em relação aos agentes
policiais envolvidos nos fatos criminosos a proteger o seu grupo que,
atendendo a determinação sua, safra em diligência na sinistra noite do
crime.
É um parente seu, Jerônimo Rodrigues Duarte Gibson, que vai à casa de
Dona Isaíras Pereira da Silva, a pretexto de visitá-la, acompanhando da
avó, e de uma sua tia, e lhe transmite a advertência de que aquela
senhora “ou se calava ou levava um tiro pelas costas” se continuasse a
falar sobre a morte do filho, o que foi presenciado e ouvido pelo Dr.
José Donino da Costa Lima, conhecido médico, já falecido, e pelo Ten.
Cel. da Aeronáutica Agenor Rodrigues da Silva (fls. 1.999 dos autos).
Os indícios referidos e examinados apontam, indubitavelmente, na
direção do reconhecimento da responsabilidade dos denunciados pelo
homicídio praticado contra a pessoa da vítima, padre Antônio Henrique
Pereira da Silva Neto, após ter sido submetido a torturas, conforme
constatados nas peças técnicas constantes dos autos, o que foi feito
objetivando silenciar a voz desse autêntico pastor da juventude, o que,
desgraçadamente, lograram com requintes de perversidade.
Outras pessoas, sem dúvida alguma, participaram da macabra empreitada.
Deixo, porém, de denunciá-las por terem falecido, ao longo desses
dezenove anos, durante os quais vem se arrastando esse tumultuado
processo.
Estando assim os denunciados Rível Gomes da Rocha, Henrique Pereira
da Silva Filho, alcunhado X-9 e José Bartolomeu Lemos Gibson, incursos
nas penas do Art. 121, § 2°, inc. III, (tortura) c/c o Art. 29, do
Código Penal, requer o abaixo assinado, recebida a presente denúncia,
nos, termos dos arts. 41, 69, VII, 84 e 87, do Código de Processo Penal
para que sejam os acusados processados e, ao final, condenados, a todos
citando para todos os termos da ação penal ora proposta, pena de
revelia, intimadas as testemunhas adiante arroladas, qualificadas e com
endereços nos autos, para vir depor sobre o fato, em juízo, sob as penas
da lei, com ciência das partes, cumpridas as formalidades legais.
ROL DE TESTEMUNHAS: 1. Luiz Ferreira do Nascimento; 2. José Coimbra
de Araújo; 3. Raimundo Ferreira da Silva; 4. Lavínia Gomes Lins; 5. Ten.
Cel. Agenor Rodrigues da Silva; 6. Paulo Barbosa da Silva; 7. Rogério
Matos do Nascimento; 8. Dr. Salustiano Gomes Lins.
INFORMANTES: 1. Isaíras Pereira da Silva; 2. Adolfo Henrique Pereira Sobrinho ora cumprindo pena no presídio Aníbal Bruno.
A COTA
Apresento a denúncia em separado, em 10 (dez) folhas datilografadas, devidamente rubricadas, a última por mim assinada.
A presente denúncia é por mim oferecida, perante essa 2ª Vara
Privativa do Júri, Juízo competente para julgar os crimes dolosos contra
a vida, de acordo com o Art. 153, § 18, da Constituição Federal, em
razão de haver evocado este processo, no uso das atribuições deferidas
ao Procurador Geral da Justiça, pelo Art. 46, I, do Decreto-Lei nº 83,
de 11.09.69. em face de haver o Promotor de Justiça designado, Célica
Avelino de Andrade, se omitido no seu dever funcional de promover a ação
penal, consubstanciado nas normas do Art. 74, I, daquele já referido
diploma legal, do Art. 21, da Lei Complementar n º 40, de 14.12.81, e
Art. 4º, I, da Lei Estadual nº 9.040, de 27.07.82, embora haja apontado
as pessoas e a forma de sua atuação no ato delituoso, não as denunciando
porém.
Àquele Promotor de Justiça caberia ter oferecido, perante este Juízo,
no exercício indeclinável da atribuição por este Procurador Geral da
Justiça a ele regularmente delegada, conforme o Ofício GPG-58, datado de
28 de abril de 1988, a denúncia daquelas pessoas por ele publicamente
indicadas.
Não o fazendo, em descumprimento à designação e determinação do chefe
da Instituição, desatendeu o referido Promotor de Justiça preceito
legal, pelo que fundamentado nos princípios da unidade e
indivisibilidade do Ministério Público, evoquei o presente processo
para, oferecendo a denúncia, impulsionar a competente ação penal, a
suprir, desse modo, a injustificada feita funcional praticada por aquele
membro do parque, de forma a evitar a prescrição da punibilidade dos
autores do revoltante crime.
Nesta oportunidade, tendo em vista o que dispõe o Art. 46, I do
Decreto-Lei nº 83, de 11.09.69, designo para funcionar no presente
processo, em que são denunciados Rível Gomes da Rocha, Henrique Pereira
da Silva Filho, alcunhado X-9, e Dr. José Bartolomeu Lemos Gibson,
perante essa 2ª Vara Privativa do Júri, devendo acompanhar a instrução e
os demais termos processuais, até o final julgamento, a Promotora de
Justiça Anamaria Torres Campos de Vasconcelos.”
Recife, 17 de agosto de 1988.
Telga Gomes de Araújo
Procurador Geral da Justiça
Fonte: http://www.alepe.pe.gov.br/sistemas/anais/pdf/016_11-1-002-1-094.pdf
Nota: A Denúncia e a Cota foram transcritas da Ata da Nonagésima
Quarta Reunião Ordinária da Segunda Sessão Legislativa da Décima
Primeira Legislatura, da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe)
por solicitação do então deputado Roldão Joaquim, a partir de
reportagens do Jornal do Commercio, Diario de Pernambuco e Folha de
Pernambuco, e encontram-se às páginas 310-317 daquele documento da
Alepe, no sítio acima indicado.
fonte:jc