O jornalista Paulo
Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, compara duas charges feitas
sobre o drama de Santa Maria. Enquanto Carlos Latuff soube, com arte,
ironizar o comportamento dos meios de comunicação na cobertura do caso,
Chico Caruso, do Globo, fez uma peça que merece ser esquecida, com uma
piada sem graça envolvendo a presidente Dilma e as vítimas do holocausto
na boate Kiss
O
que está acontecendo com o cartunista Chico Caruso? Depois de uma
charge desastrosa sobre a tragédia de Santa Maria (RS), ele demonstra um
gosto duvidoso, mais uma vez, na primeira página do jornal O Globo,
colocando um corpo de mulher seminua debaixo do rosto de Renan
Calheiros; esse tipo de humor político tem algum futuro?
DO PORTAL BR247
Por Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo
Fazer charge num drama como o de Santa Maria é uma tarefa para poucos.
É fácil fazer bobagem, e é difícil fazer coisa boa.
Na tragédia de Santa Maria, tivemos as duas situações. O cartunista
Carlos Latuff, que se celebrizou no Brasil há pouco tempo depois de ser
acusado de antissemita, brilhou.
Latuff ironizou o abominável comportamento da mídia diante de
calamidades como a da casa noturna Kiss. Um repórter tenta extrair
palavras de um familiar da vítima no enterro, numa exploração abjeta da
dor alheia.
Clap, clap, clap. De pé.
Latuff deu voz a milhões de brasileiros que somaram à tristeza pelas
centenas de mortes a indignação pela atitude de jornalistas que não
respeitam a dor alheia e simulam, como canastrões, uma dor que não
sentem.
O lado B veio com Chico Caruso, no Globo. Ele fez uma prisão em
chamas, na qual ardem as pessoas ali dentro e da qual se exala uma
fumaça sinistra. Dilma, sempre Dilma, observa de longe e exclama: “Santa
Maria!”
Era para rir? Os leitores acharam que não. Mas viria uma segunda
etapa. Numa decisão estapafurdiamente incompreensível, Ricardo Noblat
republicou a charge em seu blogue com o acréscimo da palavra “humor”.
A reação nas redes sociais foi imediata. Caruso e Noblat foram
simplesmente abominados. No próprio blog de Noblat, os leitores
manifestaram repúdio. Um deles notou que a dupla conseguiu unir petistas
e antipetistas na mesma reprovação torrencial a Noblat e Caruso.
Noblat defendeu Chico Caruso, e sobretudo a si próprio, em linhas
antológicas: quem não gostou da charge, foi o que ele essencialmente
disse depois de uma cômica interpretação do desenho, não a entendeu. Os
leitores são burros, portanto.
Tenho para mim que parte da raiva se deve ao fato de ambos estarem
fortemente identificados com a Globo. Alguma coisa da rejeição que
existe em boa parte da sociedade à Globo se transmite a seus
funcionários.
Mas a questão vai além. É complicado, ficou claro, fazer charge
decente para as Organizações Globo. A de Latuff jamais seria publicada
pelo Globo. O espesso conservadorismo da empresa acaba por ceifar a
possibilidade de iconoclastia, de inconformismo de cartunistas da Globo.
Se nas colunas políticas o reacionarismo nos veículos da Globo não
chega a chocar, porque é esperado, na charge aparece como um estigma. De
artistas se espera uma atitude diferente, mais arejada, mais
provocativa.
Caruso, nos anos 1980, se destacou como um dos melhores chargistas de
sua geração. Prometia mais do que entregou, é certo, mas fez uma
carreira boa.
Agora, vai passar para a história como o autor da charge mais
repudiada e mais infame da mídia brasileira em muitos anos — em parte
por um mau momento, em parte por carregar no peito o crachá das
Organizações Globo.
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