domingo, 28 de outubro de 2012
Amor no tempo do velho Chico
por Carlito Lima
Penedo, cidade, pedra. Penedo, rocha, rochedo. Penedo das ruas estreitas, casarões nutridos de história. Penedo, Rio São Francisco, cenário magnífico de viver uma paixão. Penedo testemunha de histórias de amor escondidas em seus casarões barrocos. Penedo, história da paixão inesquecível, Frederico e Juliana. O tempo não existe em Penedo.
Meio século, 50 anos separam daquele Penedo antigo, belos casarões abrigando famílias tradicionais, o fino da aristocracia alagoana. Juliana nasceu em berço dourado, ainda menina chamava atenção pela beleza, bom humor e inteligência. Estudava piano, aulas particulares, tornou-se uma das maiores pianistas da redondeza, ao tocar, o mundo se enchia de graça. Certa vez o grande teatrólogo Paschoal Carlos Magno ouviu Juliana executando as Bachianas de Villa Lobos, implorou, conseguiria bolsa de estudo no conservatório de música na capital do país, o Rio de Janeiro. O pai negou, Juliana não importou, adorava sua terra, Penedo.
Quis o destino, aos 16 anos conheceu Frederico, jovem, 18 anos, em clima carnavalesco, comemoração do Brasil campeão mundial de futebol, atração simultânea. Fred, embora moço, também de família tradicional, já era um dos grandes boêmios da cidade, frequentador assíduo da zona do Camartelo, gostava do chamego de quengas, certa vez foi preso por arruaça no baixo meretrício. Andava pelos botequins, na boemia. Tinha a seu favor a simpatia e uma eloquência encantadora, inteligente, bom aluno planejava fazer vestibular na Faculdade de Direito em Maceió. Assim como os antagônicos se atraem, Juliana ficou atraída, encantada com o envolvente rapaz. Os pais consentiram o namoro com muitas restrições. Formavam um belo casal, viviam uma paixão de jovens românticos em passeios às margens do Velho Chico apreciando o pôr-do-sol.
Frederico fazia força para ficar em casa sossegado, mas não resistia, caía na gandaia. Na zona do Camartelo era conhecido por todas as raparigas. Certa vez virou a noite, o dia amanhecia quando eles e os amigos bêbados fizeram uma serenata no casarão da família de Juliana. O pai pediu que ela acabasse o namoro, houve pressão. Ela deu mais uma chance para o namorado.
Início de fevereiro o pai de Frederico faleceu, enterro comovente. Quinze dias depois, carnaval, Juliana como não podia brincar devido ao falecimento do sogro, passou o carnaval na fazenda em Piranhas. Quando voltou na quarta-feira de cinzas soube do ocorrido com o namorado, Frederico não aguentou os acordes metálicos do frevo, caiu no passo os três dias de carnaval na rua e no clube, escandalizando a sociedade conservadora. Juliana escreveu uma carta acabando definitivamente o namoro. Frederico no outro ano foi estudar Direito na capital.
O tempo é inexorável, nesses últimos 50 anos cada qual tomou seu destino. Juliana continuou virtuosa pianista, quando enviuvou teve o consolo de seus 4 filhos e 8 netos. Frederico fez seu destino, tornou-se um grande advogado, hoje viúvo com 5 filhos e 13 netos, ainda trabalha muito.
Ano passado Frederico foi a Penedo com um amigo carioca. À noite, visitavam a Fundação Casa do Penedo, museu vivo onde se respira história e cultura, invenção do Dr. Francisco Salles, penedense sonhador, amante da terra. De repente Frederico ouviu uma música suave, um piano ao longe, lhe informaram, era festa de aniversário de uma senhora muita querida, Dona Juliana. O coração de Frederico voltou a bater como um jovem, pediu licença aos amigos, caminhou em direção à música que envolvia a noite de brisa fresca. Reconheceu o casarão onde um dia cantou em serenata depois de sair da zona. Entrou sem cerimônia, cumprimentou os presentes, seu coração encheu-se de ternura ao ver Juliana ao piano embevecida com a música. Inexplicavelmente naquele momento Juliana olhou ao lado, seus olhos cruzaram com os de Frederico, reconheceu o amor de sua juventude. Um sentimento forte tomou conta, a alegria invadiu sua alma; inspirada, tocou como nunca havia tocado. Ao terminar a audição, os presentes aplaudiam o belo concerto. Numa onda de felicidade, sorrindo foi cumprimentar o amigo, seu primeiro namorado.
Não pararam de se ver, Frederico mudou-se para Penedo curtindo o amor, amor maduro, amor incubado, amor cinquentenário. A resistência dos filhos foi vencida. Casaram-se na Igreja com todas as famílias unidas, filhos e netos aplaudiram a troca das alianças. O apaixonado casal de idosos é visto toda tarde passeando a beira do Rio, contando histórias, recordando o amor no tempo do Velho Chico.
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