ELIANE CANTANHÊDE *
Em algum momento isso iria acontecer: um teste de forças de setores militares com uma presidente mulher, ex-guerrilheira, ex-presa política, que foi torturada durante a ditadura (1964-1985).
O pretexto foram as declarações das ministras Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Eleonora Menicucci (Política para as Mulheres) a favor de investigações sobre torturas cometidas no regime.
Como sempre, as cúpulas militares não se manifestaram, e quem entrou na linha de frente foram os clubes militares, que reúnem oficiais da reserva. Manifestos desses clubes são comuns, mas houve algo incomum desta vez: o texto não apenas cita as duas ministras como vai além e critica a própria presidente Dilma Rousseff por não ter reprimido as subordinadas.
Como presidente da República, Dilma é comandante em chefe das Forças Armadas e não tinha alternativa: ou impunha imediatamente sua autoridade ou ficaria sujeita a seguidos manifestos, multiplicados e amplificados pela internet, estimulando a valentia de militares isolados e de setores das três Forças e de diferentes patentes.
Numa área onde hierarquia é questão de vida ou morte, a reação palaciana foi naturalmente hierárquica.
Dilma acionou o ministro da Defesa, Celso Amorim, que reuniu os comandantes militares, que tomaram as providências cabíveis -leia-se: enquadraram os líderes da reserva. O manifesto foi recolhido e desautorizado.
Um dado básico é que oficiais, mesmo na reserva, são sujeitos ao Estatuto Militar e, assim, proibidos de criticar ou confrontar a autoridade.
Nos estertores da ditadura, o general Gustavo Moraes Rego foi preso por alguns dias por defender as 'Diretas Já' e criticar o então presidente, general João Figueiredo. Era um outro momento, e a causa, outra. Hoje, o que pode colocar Dilma e os militares em lados opostos é o passado: a Comissão da Verdade, que pode colocar oficialmente ex-presidentes e ex-comandantes militares no banco dos réus da história.
Como pano de fundo, questões que aparentemente passam bem distante das casernas, mas nem tanto. O principal exemplo é o aborto, que mexe com o conservadorismo e a forte presença religiosa na 'família militar'.
Para as cúpulas, o que interessa é soldo, farda nova, rancho bom, equipamento e treinamento. A dúvida é saber se a oficialidade na caserna pensa mais como as cúpulas ou mais como os inquietos clubes militares.
A boa notícia é que, pensem como pensarem, os militares têm pouco a fazer além de resmungar. Em democracias, militares batem continência para o poder civil. (* Folha de S.Paulo)
fonte:bmagno
Nenhum comentário:
Postar um comentário