O
sucesso na vida não acontece por acaso, não cai do céu como uma dádiva.
Há de se ter um dom, coisa que não se faz, mas se recebe dos deuses.
Muitas vezes é comum encontrar em livros de autoajuda frases tipo “você
está destinado ao sucesso”. Não vá nessa! Isso é mentira. O querer nada
pode sem o dom da vida.
Yane
Marques, a pequenina gigante medalha de bronze do pentatlo moderno em
Londres, é uma deusa. Tem o dom da vida. Não chegou ao pódio entre as
três melhores do mundo por acidente.
É
uma obstinada, cuja trajetória bem-sucedida se reflete na coragem e na
garra sertaneja. É evidente que em algum momento, diante de tanta
adversidade, Yane já pensou em desistir.
Até
por falta de apoios, que lhe faltaram até então. E, incrivelmente,
continuam sem aparecer. Mas repentinamente o vento virou e encheu as
velas dela. É preciso estar atento à direção do vento.
O
vento de Yane sopra do Sertão. Seu avô, popularizado em Afogados da
Ingazeira, minha (e dela também) terra natal, de Coió, é meu tio, irmão
do meu pai Gastão. É um matuto ousado e bem-sucedido, mas que penou para
ser gente na vida.
Foi
retirante de uma seca braba nos anos 50, trocando Afogados por Bom
Conselho, onde havia notícias de que ali chovia e prosperava, diferente
do Sertão esturricado, de vidas secas e légua tirana.
Mas
não foi nenhuma Canaã, a terra prometida. Coió, papai e mais cinco
irmãos, um deles morando hoje em São Paulo e com um nome sugestivo de
Cheiroso - porque tomava banho de perfume para chamar a atenção das
namoradas - fizeram o caminho de volta logo em seguida em lombo de
cavalo. Mas nunca desistiram.
E
deixaram uma lição nobre para Yane: a de que não se deve fazer um deus
do seu sucesso. Olhando para Yane celebrada no mundo inteiro, fazendo
nossa terrinha seca do Pajeú ser projetada na mídia, lembrei-me de
Eliot: “Numa terra de fugitivos aquele que anda na direção contrária
parece estar fugindo”.
A
direção contrária de Yane foi desobedecer ao princípio básico da
educação sertaneja, de que para ser gente na vida, seria se debruçar
sobre os livros, ser médico ou advogado. O vento de Yane provou que é
possível ser gente também nos esportes.
Deixei
para escrever sobre Yane depois de passar a euforia da sua conquista
londrina. Primo segundo dela, muita gente me cumprimenta pelo seu
sucesso sem saber do nosso parentesco. Esta semana, depois dela brilhar
no Esporte Espetacular, recebi uma ligação de uma amiga de Brasília
feliz por ela estar projetando minha terra.
Desculpa
recorrer ao lugar comum, mas vale: filho de peixe, peixinho é. Gorete,
minha prima legítima, mãe de Yane, nunca se encantou por esportes, mas
Wanderley Galdino, o pai, foi um craque no futebol. Armador nato,
artilheiro talentoso, tinha porte e qualidades para jogar em qualquer
time profissional da capital.
Era,
igualmente, brilhante em futebol de salão e também no vôlei. Yane é,
portanto, carne, sangue e alma o retrato fiel do pai. Que era, também,
um talentoso radialista.
Garoto
em Afogados da Ingazeira, fui fã de carteirinha dos programas de
Wanderley na Rádio Pajeú, onde foi discípulo de Waldecy Menezes, ícone
da radiofonia pernambucana sem nunca largar as origens.
Fernando
Pessoa dizia que escrevia para lutar contra o tempo. Na sua visão, a
escritura e a leitura fazem o passado acontecer de novo. Por isso, estou
descrevendo a família de Yane. Escrevo o meu passado, que é igual ao da
sua família, para que o tempo não nos roube.
E
para que amanhã não possamos repetir Fernando Pessoa: “O tempo passa.
Não nos diz nada. Envelhecemos. Não se resiste ao deus atroz que os
próprios filhos devoram sempre”. O tempo é uma máquina, faz o vivido
desaparecer no esquecimento.
Do
sertão para o mundo, Yane nos deu alegria e felicidade. Com o seu
brilho, o nosso Sertão ficou mais leve e luminoso. Torcemos para que ela
seja a luz de uma alegria que não se apaga, uma chama quase que eterna.
fonte:BM
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terça-feira, 21 de agosto de 2012
O talento de Yane é herança do pai
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