quinta-feira, 15 de março de 2012

'Nimis', uma nova categoria social na Europa em crise

Em 2008, antes da crise estourar, existiam os “mileuristas”, geração de menores de 35 anos que ganhavam a vida com mil euros por mês. Com o agravamento da crise, surgiram os "nimileuristas", as novas gerações europeias que fazem milagres para viver com salários inferiores a mil euros. Foi na Espanha que se perfilaram como um novo coletivo social, com reivindicações próprias, códigos culturais identificáveis e uma sensação de desânimo e pessimismo que impregna tudo. O artigo é de Oscar Guisoni.



São chamados de “nimileuristas*”, ou “nimis” simplesmente. São as novas gerações europeias que fazem milagres para chegar ao fim do mês com salários inferiores a mil euros. Encontram-se no coração do pseudo milagre do trabalho alemão e no centro da crise portuguesa, são uma realidade estabelecida na empobrecida Grécia e abrem caminho com força na França de Sarkozy. Embora tenha sido na Espanha que se perfilaram como um novo coletivo social, com reivindicações próprias, códigos culturais identificáveis e uma sensação de desânimo e pessimismo que impregna tudo.

A greve geral convocada pelos sindicatos para o próximo dia 29 contra a nova reforma trabalhista impulsionada pelo Partido Popular no governo os coloca diante de uma disjuntiva: apoiar as reivindicações de trabalhadores estáveis, um grupo social que goza de direitos que eles nunca desfrutaram nem sonham desfrutar; ou olhar para o outro lado esperando que as reformas pedidas pelos mercados e que o governo conservador aplica com todo vigor, acabem aliviando sua economia pessoal cada vez mais empobrecida.

Em 2008, antes da crise estourar com toda sua força, não existiam os “nimis”, mas os “mileuristas”, toda uma geração de menores de 35 anos que ganhavam a vida com mil euros por mês, um salário mínimo e insuficiente, que mal dava para cobrir os gastos mais elementares. Esta situação os condenava a não conseguirem ser independentes de seus pais e lhes impossibilitava criar uma nova família. Algumas cifras dizem tudo: só alugar um quarto (nem falar de uma casa) em cidades como Madrid ou Barcelona custa em torno de 500 euros. Os gastos habituais em alimentação, segundo as associações de consumidores, rondam em torno de 180 euros por pessoa ao mês. Somando-se a isso os serviços, que na Espanha são muito caros, sobretudo a eletricidade e o gás, e um mínimo para dedicar ao vestuário, o que sobra é zero.

Segundo a Agência Tributária, esta realidade afetava 80% dos menores de 35 anos antes da crise e agora se tornou crônica: mais de 60% dos assalariados espanhóis ganham esta cifra, transformando os “mileuristas” na imensa maioria.

Mas a crise econômica, que já deixou no caminho mais de cinco milhões de desocupados, criou uma nova categoria, ainda mais precária e empobrecida: os “nimileuristas”, ou seja, aqueles cujo salário nem sequer chega aos mil euros. O fenômeno começou a torna-se massivo na Alemanha desde 2010.

Grande parte do chamado “milagre do trabalho alemão” está baseado em uma fatia importante da população mais jovem que aceita trabalhar por salários ultra mínimos – 500/600 euros -, sem contratos estáveis nem proteção social adequada. Esta realidade funciona em um país como a Alemanha porque lá os salários são relativamente mais altos que na maioria dos países da Eurozona.

Mas na Espanha levanta bolhas, uma vez que os núcleos familiares se encontram extremamente expostos ao desemprego e aos salários baixos, razão pela qual os “mini empregos” ou “mini salários”, como começam a ser chamados na imprensa habitualmente, não representam nenhuma solução.

Esta nova categoria de pobres, segundo definição do sociólogo francês Louis Chauvel, tem um olhar amargo sobre o futuro, não acredita da política, está convencida de que a situação só pode piorar e é resistente a manifestar-se publicamente. É nesse complexo contexto que se inserem as mobilizações e a greve geral do próximo dia 29 contra a Reforma Trabalhista proposta pelo Partido Popular e que foi qualificada pelos sindicatos espanhóis como o maior ataque aos direitos dos trabalhadores em mais de três décadas de democracia.

Embora as mobilizações realizadas até o momento não deixem de ser massivas, no mundo sindical há plena consciência do desinteresse que desperta entre os “nimis” um protesto para preservar direitos que eles jamais gozaram. Mas, advertem os dirigentes sindicais, tampouco se pode cometer o erro de acreditar que liberalizando o mercado de trabalho se vai encontrar uma solução para o desemprego. O resultado da reforma, sustentam, será uma maior precarização, menores salários, menos proteção social.

O Partido Popular soube ler esta fratura social e decidiu jogar as cartas clássicas da direita para tentar dividir o protesto. María Dolores de Cospedal, secretária geral do PP, disse claramente: a reforma trabalhista é um projeto destinado aos jovens, para que não continuem sendo “bolsistas toda a vida” e tratou de culpar os sindicatos por defenderem os “privilegiados” que ganham salários superiores a mil euros.

Na esquerda também começa o debate sobre o que fazer com os “nimis”. Enquanto o desacreditado Partido Socialista propõe aumentar o salário mínimo para 1.000 euros “para garantir a dignidade” dos trabalhadores, na Esquerda Unida pedem uma reforma fiscal que aumente os impostos para os mais ricos e permita financiar a única solução possível a seu juízo: aumentar o emprego público e dar saída de trabalho às novas gerações.

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