Mal humorado que só Seu Lunga* o taxista reclamou da Rua Mamede Simões, onde pedimos parada, até a Avenida 17 de Agosto, nosso ponto final, num fôlego só.
Quer dizer, acho que num fôlego só estava eu, respirando desesperada pela boca com medo da provável enxaqueca anunciada pelo cheiro da canela química, em forma de gel, espalhada pelo automóvel.
Seu Assis reclamou da vida, dos motoristas barbeiros, do sinal que fechou bem na hora em que ele ia atravessar a Av. Rosa e Silva, mas principalmente reclamou desse “bando de ciclista que agora resolveu invadir as ruas”.
- Quem já viu uma coisa dessas? Rua é para carro, resmungou o motorista pouco preocupado com a consciência ambiental do planeta azul.
O fato é que Seu Assis conhecia bem o problema e, o mais importante, a consequência. “O homem é o momento” filosofava ele entre uma curva e um ciclista, “qualquer dia me arreto, atropelo um, aí já viu: vou passar o resto da vida tentando consertar esse momento. Vai ser delegacia, presídio, mulher chorando, filho sem pai....”.
E enquanto atravessava os bairros do Recife, o taxista ia desfiando a trama trágica da sua vida se, apenas se, se rendesse ao momento!
Aquele momento que separa os homens dos meninos, os bons dos maus, os certos dos errados, o isso do aquilo, Drummond de Michel Teló, Caetano de Paulo Coelho. Aquele momento, aquela fagulha, aquela quase nada que define todo o resto.
E, como a vida é feita de todo o resto, Seu Assis se resigna e resiste ao momento. Fosse ele poeta, posso jurar que diria, não que o amor, mas que o momento seja eterno enquanto dure.
E, no clima ocidental de réveillon e na esperança piegas de que o ano novo seja melhor que o antigo venho desejar, não dinheiro e felicidade, mas momentos.
E como tudo depende do dicionário, ou melhor, tudo depende da palavra que vem acompanhada dos momentos, que os seus venham acompanhados de: bons, eternos e felizes.
Deixemos os momentos tempestuosos amarrados com a fivela da paciência ou presos dentro do táxi de Seu Assis. Lá ele sabe, como ninguém, adestrar os momentos ruins.
*Seu Lunga – lenda urbana folclórica do homem mais mal humorado do Brasil.
Téta Barbosa é jornalista, publicitária, mora no Recife e vive antenada com tudo o que se passa ali e fora dali. Escreve aqui sempre às segundas-feiras sobre modismos, modernidades e curiosidades.
Fonte:blognoblat
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