sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Um ato pró-impunidade, por Sandro Vaia




Ficou tudo para o ano que vem. Os mensaleiros não foram presos em 2012 por causa do “trânsito em julgado” e dos “embargos infringentes”.
Tem gente que prefere apostar que nao vai acontecer nada com eles, mas é apenas reflexo do velho vício brasileiro da impunidade, que faz com que as pessoas nao acreditem nem em sentenças da última instância da Justiça.
Como a prisão ainda não se consumou, não se consumou também a série de manifestações que vinham sendo preparadas - ou se não preparadas pelo menos apregoadas -pelos partidários dos condenados.
A injustiça pretensamente cometida contra o “guerreiro do povo brasileiro”, a judicializaçao da política, mexeu com Lula mexeu comigo, a mídia golpista, futuros embargos contra a condenação - tudo isso entra na grande mixórdia que justifica a permanente ameaça de uma grande manifestação pública contra a condenação dos réus do mensalão.
Se acontecer, será efetivamente a primeira manifestação pública na história deste País declaradamente a favor da impunidade.
Seria uma ironia finíssima da História: no país onde as pessoas passam uma boa parte da vida queixando-se de que a impunidade é um dos grandes males da sociedade, há um movimento para que as pessoas vão às ruas defendê-la.
Só os malabarismos da política partidária são capazes de produzir aberrações como esta.
Voltando ao Jean-François Revel da semana passada, convém lembrar outra de suas frases lapidares: a ideologia é capaz de suspender a noção de realidade e o senso moral das pessoas.
O ex-presidente Fernando Collor, no auge de sua campanha para escapar do impeachment por seu envolvimento com o esquema de corrupção comandado por seu lugar tenente Paulo César Farias, teve a coragem de pedir ao povo que saísse às ruas num determinado domingo, carregando as cores da bandeira nacional.
O povo saiu, mas fez o avesso do que ele pediu, vestiu preto e pediu sua queda.
Collor era um cavaleiro solitário, não tinha uma estrutura partidária atrás de si, como têm os condenados do PT, e muito menos uma ideologia justificadora capaz de transformar o mal em bem.
Por isso, é difícil apostar que a História se repita. A ideologia é capaz de produzir milagres. Certo é que se alguém for pra rua, não será o povo, mas a militância de um partido, praticando seu ato de fé.
Como o ano terminou em paz, com prisões e manifestações adiadas, quem sabe o tempo aja como bom conselheiro e restitua a razão aos militantes, evitando que se materialize o vexame da primeira manifestação pública pró-impunidade que se tem notícia na nossa História.

Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.

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