quarta-feira, 22 de junho de 2011

“Recife frio”: imaginativo e renovador

Talvez se possa dizer que filme de Kleber Mondonça representará, para cinema brasileiro, algo como “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado



Um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos é um curta-metragem: Recife frio, de Kleber Mendonça Filho, que ganhou recentemente o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro em sua categoria.

Recife frio é a prova cabal de que engenho e arte são o principal “valor de produção” de um filme. Com baixo orçamento e alta imaginação, Kleber Mendonça parte de uma ideia engenhosa – a mudança radical do clima do Recife, possivelmente motivada pela queda de um meteorito – para construir uma obra de contundente crítica social e cultural e, ao mesmo tempo, de reflexão sobre a imagem e suas manipulações.

Sob a forma de uma falsa reportagem especial da televisão argentina, o filme dá rédea solta à especulação, virando do avesso a capital pernambucana e sua inserção no imaginário mundial. No processo, revela de um ângulo inusitado as fraturas sociais e arestas culturais, retirando-as do lugar de “paisagem natural” (e, no limite, invisível) em que se encontram. Kleber Mendonça distorce a cidade para mostrá-la melhor.

Tudo isso com um uso sagaz dos poucos recursos à disposição, com uma confiança profunda nas potencialidades da linguagem cinematográfica e na capacidade imaginativa do espectador. O melhor efeito especial, o filme nos mostra, ainda é a capacidade humana de fantasiar, fabular, inventar.

Faltou dizer que o curta é divertidíssimo, cheio de sacadas brilhantes, como a da transmutação do quarto da empregada (esse hediondo avatar da velha senzala) no cômodo mais disputado do apartamento à beira-mar. Ou a do artesão ceramista que passa a moldar figurinhas agasalhadas diante da lareira, em vez dos tradicionais cangaceiros ou sertanejos montados em jegues.

Talvez não seja exagero dizer que Recife frio está para o cinema brasileiro atual como Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado, está para o cinema brasileiro do final do século passado. Ambos são falsos documentários que transcendem os limites do curta, abrem caminhos, iluminam toda uma cinematografia.

O filme está no youtube, dividido em duas partes.

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