A experiência, implantada em dois municípios, tem poupado a caatinga - único bioma exclusivamente brasileiro - e contribuído para reduzir o aquecimento global
Gilmar Galdino Genezio abastece o bio digestor com as fezes do gado
Foto: Priscilla Buhr/JC Imagem
Uma tecnologia que transforma esterco em biogás está reduzindo o consumo de lenha e gás de cozinha no Sertão de Pernambuco. A experiência, implantada em dois municípios, tem poupado a caatinga – único bioma exclusivamente brasileiro – e contribuído para reduzir o aquecimento global. Uma boa notícia no Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado neste domingo em todo o planeta.
A agricultora Maria José Moraes Nobre, 44 anos, moradora da localidade Santo Antônio 2, em Afogados da Ingazeira, a 386 quilômetros do Recife, enumera outras vantagens do biodigestor. “Quando cozinhava com lenha era uma fumaceira só. E sair de casa na chuva para cortar lenha, então, era horrível”, recorda. Agora as panelas da casa estão todas limpas, não têm mais tisne. “E me livrei da fuligem na casa, nas roupas do varal, no teto”, descreve.
Ela e o marido, o agricultor Geraldo Nobre Cavalcanti, coletam todas as manhãs cerca de 15 quilos de esterco. As fezes são eliminadas pelos seis bodes e cabras, dez ovelhas e carneiros e sete bois e vacas que criam no sítio, de cinco hectares. No biodigestor, o estrume é misturado à água, na proporção meio a meio. “Agora só uso a caatinga para fazer cerca”, garante Geraldo. Com o resíduo do equipamento, ele aduba a horta e as plantações de milho e feijão.
A família de Maria José é uma das três de Afogados da Ingazeira que passaram a abastecer o fogão com o biogás gerado pelo equipamento. Outra é a de Gilmar Galdino Genésio e Maria da Paz. Na casa deles, também em Santo Antônio 2, o consumo mensal era de um botijão de 13 quilos de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP). “Depois do biodigestor, deixei de comprar gás. Nem botijão eu tenho mais em casa. Ganhei mais espaço na cozinha e, principalmente, tenho uma despesa a menos”, assegura Maria da Paz. A economia por mês é de R$ 38 reais (preço médio de um botijão).
A produtividade do pomar e da horta do sítio, na opinião de Gilmar, aumentou com o uso do adubo tratado. Antes ele usava o esterco natural. “Agora ponho o adubo orgânico, que é sólido, na raiz e o líquido nas folhas. Quando é hortaliça as folhas ficam mais verdes e maiores. As frutas também estão mais graúdas”, avalia.
Além da plantação, o casal tem sete cabeças de gado bovino, 11 de ovino e 50 de suíno na propriedade, de 14 hectares. Gilmar não recolhe esterco todo dia. “Meus três filhos casaram. Sozinho ficou mais difícil dar conta de tudo. Junto o estrume dia sim, dia não. E não tem faltado gás no fogão.”
O gás é transferido do biodigestor, que fica nos fundos da casa, para a cozinha por um cano embutido. As bocas do fogão são adaptadas. “Como a pressão do biogás é menor do que a do GLP, é preciso fazer um furo com uma broca de 1,5 milímetro, para aumentar o orifício do injetor, garantindo a intensidade da chama”, ensina o técnico agrícola Jucier Jorge Silva, da ONG Diaconia.
Oito biodigestores estão em funcionamento, três em Afogados da Ingazeira e cinco em Quixaba. Os equipamentos foram construídos pela ONG Diaconia, formada por 11 instituições evangélicas, com recursos do Projeto Dom Helder Câmara, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e financiado pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrário (Fida).
O custo aproximado de um biodigestor é R$ 1,8 mil, incluindo material e mão-de-obra. Um pedreiro e um servente levam, em média, cinco dias para construir o equipamento. O item mais caro é a caixa-d’água de fibra de vidro com 3 mil litros, que custa R$ 750. “Com a assistência técnica nos primeiros meses, esse valor alcança cerca de R$ 2.300”, avalia o coordenador de Mobilização de Recursos e Comunicação da Diaconia, Joseilton Evangelista.
O equipamento se baseia na decomposição anaeróbica (na ausência de oxigênio) de biomassa. Pode ser usado esterco de qualquer animal, mas o de gado bovino tem se mostrado o mais prático nas pequenas propriedades rurais. “É fácil de coletar porque, para a ordenha, o gado é reunido no curral”, esclarece o engenheiro agrônomo Luís Claudio Mattos, especialista em Incentivos Ambientais do Projeto Dom Helder Câmara.
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