segunda-feira, 6 de junho de 2011

Código Florestal: é hora de jogar duro

Cabe ao governo federal acabar com o clima de “já ganhou” que toma conta da rede criminosa de exploração ilegal de madeira na Amazônia e que só faz aumentar sua sensação de poder e impunidade. A rede Grupo de Trabalho Amazônico já registrou um aumento considerável dos pedidos de ajuda vindos de militantes que se sentem ameaçados.

É até compreensível que o alto-escalão do governo federal insista em não admitir publicamente que o recrudescimento da onda de assassinatos de lideranças ambientais no Norte do país tenha ligação com as mudanças no Código Florestal aprovadas na Câmara dos Deputados. Talvez não caiba mesmo ao governo tirar esse tipo de conclusão, mas ele tem a obrigação de estar ciente de que seus próximos passos na condução política da reforma do Código, que se encontra agora no Senado, serão determinantes para o derramamento ou não de mais sangue inocente no solo amazônico.

Até as impávidas castanheiras e samaúmas da floresta já sabem que a sinalização de “liberou geral” dada pelo rolo-compressor ruralista na Câmara à sua “base” desde o começo do ano já tem duas conseqüências práticas. A primeira delas é a que permitiu nos meses de março e abril o impressionante aumento de 473% no desmatamento em Mato Grosso na comparação com os mesmos meses do ano passado. A segunda é o claro aumento do tom e da quantidade de ameaças que lideranças ambientalistas da Amazônia vêm recebendo, sobretudo nos locais mais afastados dentro da mata.

O secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, em relatório já submetido ao governo federal, confirma que a expectativa de alteração do Código Florestal mudou o comportamento de parte dos proprietários rurais do estado, que, segundo ele, passaram a apostar na anistia das áreas desmatadas: “Não há como negar a forte vinculação entre o desmatamento e os processos de discussão da legislação ambiental”, diz o documento. Quanto à nova onda de assassinatos, ainda não existem estudos ou relatórios, mas a rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), que congrega mais de 600 organizações socioambientalistas, já registrou um aumento considerável dos pedidos de ajuda vindos de militantes que se sentem ameaçados.

Diante desse quadro, cabe ao governo federal acabar com o clima de “já ganhou” que toma conta da rede criminosa de exploração ilegal de madeira na Amazônia brasileira e que só faz aumentar sua sensação de poder e impunidade. São louváveis, ainda que insuficientes, as medidas anunciadas para o aumento da fiscalização contra o desmatamento e a reedição da Operação Arco de Fogo pelo Ibama e pela Polícia Federal. Também é louvável e insuficiente o esforço da Secretaria de Direitos Humanos para tentar proteger o que permanecerá “improtegível” enquanto a mão armada dos grileiros de terra continuar a ocupar o espaço deixado pelo poder público e a ditar a vida e a morte de homens, bichos e árvores na Amazônia.

Mas, nem uma coisa nem outra será tão efetiva quanto uma sinalização clara do governo - dada pela presidente Dilma Rousseff, se possível - de que o Brasil vai aprofundar o combate ao crime ambiental iniciado no governo Lula e que fez o país aumentar consideravelmente sua reputação no cenário das discussões internacionais sobre meio ambiente. Essa sinalização passa pela manutenção da decisão presidencial de vetar os pontos mais sórdidos do relatório aprovado na Câmara, assim como a emenda 164, que permite a permanência de atividades de pecuária e lavoura consolidadas até julho de 2008 em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e, na prática, significa a anistia para os desmatadores.

Essa sinalização passa, sobretudo, por um acompanhamento das discussões sobre o Código Florestal no Senado muito mais qualificada do que a realizada na Câmara. A confirmação do nome do senador Jorge Vianna (PT-AC) para a relatoria da matéria na Comissão de Meio Ambiente e Defesa do Consumidor foi um bom começo e servirá de importante contraponto ao domínio dos ruralistas na Comissão de Agricultura, onde a relatoria deverá ficar a cargo do senador Luiz Henrique Silveira (PMDB-SC).

Quando governadores, Vianna foi (ou, pelo menos, tentou ser) um amigo da floresta no Acre e Luiz Henrique o responsável pelo fim da proteção às matas ciliares em Santa Catarina, estado que devora o que resta de sua Mata Atlântica com voracidade assustadora. Será briga de cachorro grande, por isso é fundamental que o time da articulação política do governo Dilma entre em campo imediatamente no Senado para garantir para os governistas a relatoria na Comissão de Constituição e Justiça, terceira e decisiva comissão a examinar a matéria antes que ela vá a plenário.

Ao que tudo indica, a presidente Dilma se esforçará para evitar o desgaste do veto. Para tanto, o governo deverá se empenhar para que o Senado derrube os pontos do relatório que caracterizam anistia aos desmatadores e que passam aos estados a prerrogativa de determinar as atividades agropecuárias que podem ser realizadas em APPs. Será preciso também garantir a manutenção da obrigação e dos atuais limites para a Reserva Legal em cada propriedade e a proteção das margens de rios, topos de morro e encostas.

Tudo isso pode ser feito sem prejudicar quem produz e ainda constitui uma oportunidade de fortalecer a agricultura familiar no Brasil. Nas regiões onde as culturas tradicionais já ocupam essas faixas há muito tempo como, por exemplo, no Sul do país - o governo pode determinar e autorizar exceções à lei. Essa harmonia pode ser conseguida no texto que vai sair do Senado, mas, além do trabalho dos ministros da área política, a atuação dos ministros Afonso Florence (Desenvolvimento Agrário) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente) junto ao Congresso também deverá mudar de patamar em relação ao que foi feito até aqui para que o governo obtenha sucesso nessa empreitada.

O secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, afirmou a jornalistas que Dilma “ficou incomodada” com o resultado da votação sobre o Código Florestal, e acrescentou que a presidente afirmou que “não vai jogar a toalha” nessa batalha política e que irá recorrer à Justiça se necessário for. Esperamos que a firmeza presidencial se mantenha, pois não é pouco o que está em jogo. Politicamente, a reforma do Código, se for ruim como o esboço desenhado na Câmara, significará um retrocesso que pode macular definitivamente o atual governo.

Moralmente, deixar que a sensação de “liberou geral” fortaleça as mãos criminosas que carregam motosserras e armas de fogo na Amazônia significará tripudiar sobre o sacrifício da fauna e da flora destruídas pelos correntões e pisar no sangue martirizado de José Cláudio Ribeiro da Silva, Maria do Espírito Santo da Silva e Adelino Ramos, entre tantos e tantos outros militantes ambientalistas assassinados a quem aqui rendo minha homenagem.

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