quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Cartas de Paris: Um dia pacífico como outro qualquer


Hoje de manhã o termômetro marcava três graus negativos. O metrô vinha lotado desde a primeira parada. Fiquei de pé. Na primeira página do jornal, Leonardo di Caprio apontava uma arma para Samuel L. Jackson, na matéria sobre o lançamento do filme de Tarantino.
Na página oito, entre as manifestações na Índia e a polêmica sobre as crianças de menos de três anos que devem frequentar a escola, um gráfico cumpria sua função e demonstrava cientificamente que 62% dos franceses são favoráveis à ofensiva militar no Mali.
A manchete dizia que os franceses acham que poderiam sofrer represálias terroristas, 86% acreditam que o exército francês vai impedir a expansão de muçulmanos fundamentalistas no país, e 70% acham que a França vai impedir que o urânio do Níger caia em mãos erradas. Agora estão em mãos certas.
A França se divide no metrô, metade em pé, metade sentada, mas é unânime sobre o Mali. Pragmatismo francês.
O metrô não pode parar. Precisa de eletricidade para continuar funcionando. Apesar disso, parou. Por alguns instantes as luzes se apagaram. Olhares angustiados foram reprimidos. O condutor avisou que o trem ficaria parado por alguns instantes para regulação do tráfego. Suspiros de alívio desta vez não foram reprimidos.
O trem voltou a funcionar enquanto meu horóscopo dizia que eu era uma pessoa liberada. Na estação seguinte, pessoas desceram, outras subiram. Eu continuei em pé, ao lado de um homem de gravata, uma mulher que carregava um computador e outra com véu islâmico que também carregava um computador. A manhã provavelmente começaria com atraso para todos, independente de crença e fé.
Na saída do metrô um homem apressado pisou duas vezes no meu calcanhar e pediu duas vezes desculpa. Na entrada da universidade os estudantes fumavam angustiadamente seus cigarros, como de costume.
Durante a reunião, minha orientadora foi desagradável, como já era de se esperar. Na saída falei com meus colegas sobre futuras publicações como é de praxe.
Tudo parecia normal, tranquilo, habitual. Nada como viver em um país onde reina a paz.

Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela estará aqui conosco todas as quintas-feiras.

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