Em entrevista à Carta Maior, Peter Lee, especialista em temas de defesa do Kings College, de Londres, fala sobre a nova escalada diplomática em torno das Ilhas Malvinas, e seu impacto para as relações entre o Brasil e o Reino Unido. Segundo Lee, essa disputa, neste momento de crise, é muito conveniente para o governo inglês distrair a atenção de problemas internos, como o aumento do desemprego e a queda do nível de vida.
Londres - Em meio a uma forte crise econômica e com o fantasma de uma nova recessão à vista, o primeiro ministro David Cameron e seu governo se socorreram do tema Malvinas. Nas perguntas ao primeiro ministro elaboradas no Parlamento no dia 18 de janeiro, o líder da oposição Ed Milliband atacou o governo pelas novas cifras de desemprego. “Estamos de novo nos anos 80”, disse o líder trabalhista. Como se houvesse uma secreta sintonia das coisas, Cameron lhe respondeu falando das Malvinas e a ameaça argentina. Peter Lee, especialista em temas de defesa do Kings College de Londres, dialogou com Carta Maior sobre esta nova escalada diplomática e seu impacto para as relações entre o Brasil e o Reino Unido.
No parlamento David Cameron falou de reforçar militarmente a segurança em torno às ilhas Malvinas. Alguém no Reino Unido acredita realmente que a Argentina constitui uma ameaça militar não passa de uma postura política frente à opinião pública e a crise econômica?
Peter Lee – A disputa é muito conveniente para distrair a atenção de problemas internos, como o aumento do desemprego e a queda do nível de vida. É verdade que um primeiro ministro britânico renunciar à soberania das Falklands seria o equivalente a um suicídio político pelo custo em vidas e dinheiro que exigiu a recuperação das ilhas em 1982. Por outro lado, se bem que a Argentina não está enfrentando problemas similares, tem suas próprias preocupações pelos rumos da economia. Se somarmos a isso o aniversário de 30 anos da guerra, este tipo de voltagem retórica parece inevitável.
Nenhum político ou governo se distanciou, a nível público, da posição tradicional britânica sobre os desejos dos habitantes das ilhas. Esta posição é diferente quando falam “off the record”?
Peter Lee – Eu acho que David Cameron acredita no que está dizendo com respeito à soberania e a demanda de que os habitantes das ilhas determinem seu próprio futuro. É o líder do Partido Conservador que em 1982 decidiu ir à guerra com a Argentina. Naquele momento o Reino Unido conseguiu reafirmar seu lugar no mundo em momentos de sérias dificuldades econômicas e de uma sustentada decadência histórica como potência colonial. Neste sentido os conservadores valorizam muito a proteção das ilhas.
O Reino Unido sempre fala de seu desejo de manter relações normais com a Argentina, apesar das diferenças no assunto Malvinas. Anúncios como o treinamento militar que fará o príncipe Guilherme, herdeiro da coroa, nas Malvinas parecem contradizer por completo esta suposta boa vontade.
Peter Lee - O fato de que o príncipe William voe em um helicóptero de resgate nas ilhas Falklands durante oito semanas é totalmente irrelevante para os britânicos. Está fazendo o que muitos pilotos de sua idade e experiência têm que fazer na Força Aérea Real. Dada sua posição de futuro rei, nunca lhe será permitido fazer isto no Afeganistão.
Dá para entender, mas ao mesmo tempo, parece um pouco insensível e arrogante que seja justamente nas Malvinas, sabendo qual vai ser a reação do governo argentino. Em última instancia estão dizendo: não nos importa!
Peter Lee – É verdade. No governo britânico deve ter havido consciência sobre isso. Em definitivo, devem ter dito: bom isto é o que queremos fazer e francamente não nos importa o que os argentinos pensem a respeito.
O apoio do Mercosul e da Unasul à posição argentina é um problema para a estratégia do governo de David Cameron de aprofundar sua presença nos chamados mercados emergentes. A China, na Ásia e o Brasil, na América Latina são uma prioridade dentro desta estratégia. Estes interesses em jogo podem modificar a posição britânica?
Peter Lee - O Reino Unido está efetivamente tentando diversificar e aprofundar seus contatos com outros mercados. Na semana passada alcançou um importante acordo para as transações em moeda chinesa em Londres. A visita de William Hague ao Brasil é outra face dessa estratégia.
Acho que para que tenhamos uma mudança na posição britânica necessitaríamos uma ação econômica coordenada do Mercosul e da Unasul. Nisto o Brasil terá que fazer seu próprio cálculo de custo-benefício na relação com a Argentina, o Mercosul e o Reino Unido. Mas, ainda que houvesse uma política coordenada, não acho que teria êxito e, além disso, em nível comercial e econômico, todos perderiam. O que o Mercosul fez até agora foi a parte mais fácil porque na verdade o acordo de não permitir barcos de bandeira das Malvinas só afeta poucos barcos que também podem navegar com a bandeira inglesa, de modo que foi uma decisão mais simbólica que substantiva.
Ao mesmo tempo, pouco depois do acordo, o chanceler William Hague disse aos parlamentares britânicos que haviam tido “discussões frutíferas” com os governos do Brasil, Chile e Uruguai, insinuando que esta política não ia ser aplicada. As chancelarias destes países desmentiram a chancelaria argentina de que houvesse uma mudança a esse respeito. Esta declaração foi uma tentativa de tumultuar o processo?
Peter Lee – Acho que neste momento William Hague está tentando fazer precisamente isso. Ao Reino Unido lhe interessa que haja um pouco de distância entre a Argentina e o resto do Mercosul, especialmente em relação ao Brasil. Estou certo de que o governo não tem muitos problemas com ações como o acordo feito pelo Mercosul, que permita aos países sul-americanos mostrar-se solidários, mas quer evitar uma escalada. Em meio à atual crise global, duvido que a alguém convenha esticar mais a corda a nível econômico pelo assunto das ilhas Falklands.
Com todo este panorama de fundo, vê alguma possibilidade de negociação direta entre a Argentina e o Reino Unido?
Peter Lee – É muito difícil imaginar que haja uma saída porque as posições de ambas as partes são irreconciliáveis. Inclusive no nível da resolução das Nações Unidas, ambas as partes podem sentir-se reivindicadas, algo que costuma acontecer com as resoluções da ONU. A Resolução 2.065, do dia 16 de dezembro de 1965, insta a Argentina e o Reino Unido a proceder com a negociação para implementar a Declaração de Independência de territórios coloniais, tendo em conta a resolução da Assembléia Geral 1514 e os interesses dos habitantes das ilhas. Ambas as partes podem aduzir que a resolução os reivindica. A Argentina pela reivindicação geográfica, o Reino Unido pelo interesse dos habitantes da ilha.
Estes pontos de partida têm seu correlato em duas visões diferentes da história e não podem ser reconciliados. Ou o Reino Unido obtém tudo e a Argentina nada ou Argentina obtém tudo e o Reino Unido nada. Se a este antagonismo se acrescenta o problema do petróleo e até as receitas dos ilhéus pela pesca, se vê como tudo se complica.
Tudo nos faz lembrar a situação do Peñón de Gibraltar e a Espanha. Há mais de três séculos de negociações e nada aconteceu devido ao desejo dos ilhéus.
Peter Lee - Morei nas Falklands um ano entre 2004 e 2005. Meus pais viveram em Gibraltar entre 1990 e 2004. Posso dizer por experiência própria que estas populações querem manter a todo custo seus vínculos com o Reino Unido. Além disso, o custo político, para um primeiro ministro britânico, de permitir que outro país anexe um território, com uma população que se considera britânica, seria muito grande. A reputação internacional britânica sofreria um duro golpe. É curiosa também esta conexão entre Gibraltar e as Falklands porque em ambos os casos a origem é uma luta imperial entre a Grã Bretanha e a Espanha.
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