domingo, 29 de janeiro de 2012

Crise europeia ilustra necessidade do fim de verba privada a político

Comando de países endividados foi assumido por representantes do 'mercado' que promovem corte de direitos sociais. Depoimento de europeus no Fórum Social Temático expõe riscos da influência do capital privado sobre classe e decisões políticas. Para debatedores brasileiros, poder econômico que financia campanhas é obstáculo a novos avanços sociais e democráticos.



A crise econômica enfrentada por países europeus e que ajuda a fazer estragos pelo mundo evidencia a má influência social do capital privado sobre as decisões políticas. Na Grécia e na Itália, por exemplo, ex-funcionários de um banco assumiram governos que levam adiante planos de corte de salários e direitos, como saída para pagar suas dívidas ao “mercado”.

No Brasil, não há influência explícita do “mercado” sobre o governo. Ao contrário. Na quinta-feira (26), o Banco Central (BC) divulgou a ata da reunião da diretoria que oito dias antes havia cortado o juro e, para surpresa do “mercado”, que vê risco de inflação, informou abertamente que colocará a taxa em um dígito (hoje está em 10,5%).

Mesmo assim, há quem considere o capital privado uma má companhia para a política brasileira, um obstáculo ao avanço da democracia e semente de corrupção. Por isso, insiste ser necessário limitar a capacidade de interferência do poder econômico sobre a classe política, com a proibição de doações empresariais a campanhas e partidos e a adoção do financiamento público.

É uma proposta difícil de vingar, pois depende de aprovação do Congresso, onde está a atual classe política, produto ela mesma das contribuições particulares, a troco sabe-se lá de que compromissos. Mas que precisa ser defendida, segundo participantes de debate sobre os rumos da democracia realizado durante o Fórum Social Temático.

“O financiamento privado provoca distorções”, disse Francisco Whitaker, um dos idealizadores do Fórum, criado há onze anos.

No debate, três participantes europeus - dois de países com dificuldades democráticas por obra do poderio do “mercado”, outro de uma nação que pode ser tragada pelos problemas alheios - deram depoimentos que ilustram as "distorções" e os perigos sociais da presença do capital na política.

“Os mercados deram um verdadeiro golpe de Estado financeiro, derrubaram governos democraticamente eleitos e substituíram por políticos tecnocratas”, afirmou o jornalista Ignácio Ramonet, da endividada Espanha.

“Essa crise pode levar a uma nova forma de barbarismo. Não há mais diferença entre esquerda e direita”, disse o sociólogo Boaventura de Souza Santos, do endividado Portugal.

“O neoliberalismo tirou a capacidade efetiva de ação dos instrumentos democráticos. Antes havia governos que governavam. Hoje, não há mais”, declarou o jornalista e professor universitário Bernard Cassen, da França, onde estão grandes credores (bancos) de Espanha e Portugal.

Os depoimentos reforçaram a convicção de um entusiasta de uma reforma política que barre a ação do capital privado nas eleições, o governador gaúcho, Tarso Genro. Quando ministro de Justiça no governo Lula, ele elaborou proposta que, contudo, parou no Congresso. “Não havia interesse do conjunto dos partidos”, disse Tarso, para quem financiamento privado é “escandaloso”.

Segundo ele, o financiamento público também seria importante para revitalizar a democracia. Ajudaria a empurrar à política aquela parcela mais idealista da população que até se interessa pela vida pública, mas que não atua por não querer fazer acordos com empresas em troca de doações, deixando o caminho livre para que os partidos sejam dominados pela "esperteza".

O financiamento público de campanhas foi debatido no ano passado por senadores e deputados. No Senado, a proposta foi barrada. Na Câmara, foi empurrada para 2012, por risco de ter o mesmo destino.

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